Numa altura em que as taxas Euribor já apresentam um valor negativo considerável, até porque todos os prazos utilizados nos empréstimos da casa já estão abaixo de zero, o diploma do Bloco de Esquerda pretende estabelecer que o valor negativo da taxa de juro tem ser refletido e aplicado nos contratos. O que pode ser mais grave para os bancos, é que o projeto de lei estabelece isso também se aplique “nas situações em que a aplicação da taxa de juro com adição da margem [do banco, o chamado spread] assuma valores negativos”.
 
A proposta de diploma, que em termos práticos obriga os bancos repercutir a taxa negativa no capital em dívida, assegurando uma parte da sua amortização, acontece numa altura em que os bancos sustentam que a carteira de crédito à habitação lhes dá prejuízo. Isto num contexto em que o sector financeiro está a lutar para regressar aos lucros (sem operações de carácter extraordinário).
 
Os dois diplomas – o do PCP complementa o do BE ao proibir alterações unilaterais das taxas de juro e de outras condições contratuais – pretendem responder à interpretação restritiva que as instituições financeiras estão a fazer da recomendação do Banco de Portugal (BDP) sobre esta matéria, que não tem força de lei.
 
A carta-circular 26, de Março de 2015, refere que “nos contratos de crédito e de financiamento em curso, não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal”.
 
Na prática, as instituições financeiras estão a abater o valor negativo da Euribor ao spread, mas ficam-se por aí. Ou seja, de acordo com o que o PÚBLICO apurou, as instituições financeiras não estão a aplicar a Euribor negativa quando o spread é totalmente anulado, considerando que, a partir desse momento, a taxa de juro dos contratos passa a ser zero.
 
Se o valor negativo da Euribor (depois de anulado o spread) continuar a ser refletido no contrato, o banco tem de amortizar mensalmente uma pequena parte do capital em dívida, acelerando o seu pagamento. É isto que os bancos não aceitam fazer e a recomendação do supervisor sobre esta matéria não tem força de lei.
 
Por enquanto, esta aplicação parcial da carta-circular só estará a ter impacto num número muito reduzido dos empréstimos a (com spreads de 0,10% e 0,15%), mas pode assumir maior relevância nos próximos dois ou três meses, se as taxas Euribor continuarem a cair como é expectável.
 
Exemplificando, a média da Euribor a três meses em Fevereiro fixou-se em - 0,184%. Aplicada esta taxa aos empréstimos com revisão no corrente mês e com um spread de 0,15%, a taxa final já fica abaixo de zero, dando lugar ao pagamento de capital. O contrato de futuros da Euribor a três meses para Junho, já coloca esta taxa em – 0,33%, o que já anula os spreads de 0,25% e 0,30%, e, neste patamar, já começa a estar em causa um número considerável de contratos de empréstimos.
 
A maioria dos empréstimos à habitação em Portugal está associada à Euribor a seis meses, que está negativa em 0,115%, o que implica que, a manter-se a tendência de queda, como é expectável, vai começar a anular os spreads mais baixos e a reduzir o seu valor. Também a Euribor a 12 meses já está em valor negativo.
 
Decisão está nas mãos do PS
 
A resistência dos bancos à aplicação das taxas negativas começou no ano passado (a Euribor a três meses acumula valores negativos desde 26 de Abril), e foi por isso que o Banco de Portugal (BDP) publicou a carta-circular.
 
Questionado pelo PÚBLICO sobre a interpretação dos bancos, o BDP limitou-se a dizer que “está a acompanhar a implementação da Carta Circular n.º 26/2015/DSC”, mas o PÚBICO sabe que o supervisor espera que a situação fique clarificada com os projetos de lei apresentados.
 
O BDP e a Associação Portuguesa de Bancos (APB) vão ser ouvidos no âmbito da discussão na especialidade dos dois diplomas, na comissão de Orçamento e Finanças, que ainda não tem data marcada.
 
Contactada pelo PÚBLICO, a APB não se mostrou disponível para se pronunciar sobe os projetos de lei. No entanto, a associação está completamente contra a aplicação do valor negativo da taxa na taxa final, defendendo que a Euribor deveria assumir o valor de zero, o que permitira aos bancos continuar a cobrar o valor do spread.
 
Uma tomada de posição anterior à carta-circular do BDP, a associação defendia que “constitui um contra-senso ter associado a um crédito - em que é a instituição bancária que presta um serviço ao cliente – uma taxa de juro negativa, pois tal significaria ser o banco a pagar ao cliente pelo empréstimo que lhe concedeu”.
 
Ainda quando a questão se colocava apenas ao nível dos juros que os bancos deixavam de receber, a APB recordava que a concessão de crédito é feita através do que se denomina por contrato de mútuo oneroso, pressupondo, por isso, o pagamento de juros pelo mutuário, neste caso o cliente bancário, ou seja, quem é financiado”.
 
Os dois projetos de lei já foram aprovados na generalidade na Assembleia da República, com os votos favoráveis do PS, mas ainda não está garantido que o partido do Governo vai deixar tudo como está nos projetos do PCP e Bloco de Esquerda, que deverão ser fundidos.
 
No essencial, a iniciativa do Bloco estabelece as regras de aplicação da Euribor negativa aos contratos de crédito, que terá de continuar a ser refletida sem limitações. O PCP pretende impedir que as instituições financeiras possam alterar taxas de juro e outras condições contratuais de forma unilateral, designadamente o preço de serviços ou valor das comissões previamente acordadas.
 
As Euribor são fixadas pela média das taxas de juro a que um conjunto de 57 bancos da zona euro está disposto a emprestar dinheiro entre si no mercado interbancário. O comportamento das taxas neste mercado é explicado pela política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que tem vindo a descer a sua taxa diretora, agora reduzida a zero, e pela taxa negativa nos depósitos dos bancos na instituição.
 
Com a decisão do BCE desta quinta-feira, as taxas Euribor deverão acelerar a descida, o que é bom para quem tem empréstimos mas que é negativa para quem tem poupanças. Alguns produtos de poupança estão diretamente indexados à Euribor, como os Certificados de Aforro. Nos tradicionais depósitos a prazo a rentabilidade é atualmente muito reduzida ou mesmo nula nos prazos mais curtos.
Fonte: PUBLICO.PT
Crédito Bancário, Imobiliário